Alerta em forma de música, “Salve a Chapada Diamantina” denuncia graves questões socioambientais

Rap escrito por cinco artistas chapadeiros desenha a atual situação da Chapada diante do avanço da destruição causada por empreendimentos de mineração, energia eólica e solar.

Um hino de resistência em prol da preservação da Chapada Diamantina. Assim pode ser definida a música “Salve a Chapada Diamantina”, lançada nesse sábado, 10, nas plataformas digitais. O rap, com batida empolgante e letra sensível tem o propósito de chamar atenção para as causas urgentes do território. 

A região, que é conhecida por suas belezas naturais e povo acolhedor, se tornou um destino turístico desejado por milhares de pessoas ao redor do mundo. É lá que estão um dos trekkings mais buscados no planeta, além da maior cachoeira em queda livre do Brasil, só para citar alguns exemplos.

Mas e fora da rota do turismo? Para além dos limites do Parque Nacional da Chapada Diamantina, a situação é outra. O território se tornou cenário de conflitos por conta de ameaças graves ao ecossistema e às comunidades que vivem nas cidades que o compõem. Fora da grande mídia, a Chapada Diamantina corre perigo e, com ela, grande parte das nascentes de água da Bahia.

A região ocupa 15% do território baiano e reúne as bacias hidrográficas do Paraguaçu, Jacuípe e Rio de Contas, as três principais do estado. Além disso, as nascentes da região alimentam as microbacias do Paramirim e do Rio Verde, ambas fornecedoras de água para a bacia do Rio São Francisco.

Ambientalistas, pesquisadores e estudiosos conferem, por isso, à Chapada Diamantina, o título informal de caixa d’água da Bahia, uma forma de alertar que as águas que nascem aqui não abastecem apenas a Chapada, mas atende às necessidades hídricas também de parte do recôncavo, de Feira de Santana, a segunda maior cidade baiana, e da capital, Salvador, além do sertão.

Com todos esses atributos, o território deveria ser lembrado por grandes projetos de preservação, no entanto, a Chapada passou a viver sob ameaça constante. O avanço de empreendimentos minerários, de energia eólica, solar e o agronegócio, sem grandes estudos além dos que viabilizam a exploração, estão invadindo as comunidades tradicionais para usufruir dos recursos naturais e gerar lucratividade para as empresas, em sua quase totalidade internacionais.

O avanço da mineração e das usinas de geração de energia eólica, com seu modelo destrutivo, tem trazido graves impactos socioambientais e na saúde das comunidades locais. Nas experiências que a região vem vivenciando, o que se vê são poluição de rios, deslocamento de comunidades por problemas de saúde – respiratórios e psicológicos são exemplos – ou destruição das suas fontes de renda, como a agricultura familiar. O assoreamento das nascentes é uma constante.

De acordo com o Observatório dos Conflitos Ambientais da Chapada Diamantina (OCA), que apoiou a realização do clipe, a situação tende a piorar, já que atualmente há mais de 3.300 pedidos minerários na região e no topo das serras, está prevista a instalação de mais de 2.000 mega projetos energéticos. Todos sem estudos aprofundados e com aval do estado.

Um dos maiores exemplos são as comunidades da Bocaina e Mocó, em Piatã, onde, em 2011, uma mineradora inglesa, a Brazil Iron, foi instalada e provocou graves impactos como o assoreamento da nascente do rio Bebedouro, que abastecia a comunidade em épocas de estiagem, pelos rejeitos de mineração, graves problemas de saúde com a pulverização de poeira tóxica e os barulhos intensos das explosões na serra que circunda as comunidades, além de outras questões como rachaduras nas casas. A pouquíssima água que sobrou acabou contaminada por metais pesados, conforme estudo feito pela Universidade Federal da Bahia, em 2020, que constatou a presença de chumbo, fósforo, manganês e zinco.

Esse é apenas um dos exemplos que causaram inquietação na multiartista Nevolandia, natural de Seabra, cidade considerada capital da Chapada, que tomou ciência das questões socioambientais em seu entorno e resolveu transformar a indignação em música.

Inspiração

Nevolandia tinha acabado de assistir ao filme “A Noite que Mudou o Pop”, de Bao Nguyen. O documentário mostra os bastidores da gravação da música “We Are The World” em um encontro de 45 ícones musicais, incluindo os autores Michael Jackson e Lionel Richie, nos estúdios Henson, em Los Angeles, nos Estados Unidos. Toda essa complexa mobilização tinha o objetivo de chamar a atenção e arrecadar fundos para o combate à fome na África. A música foi um sucesso, ganhou quatro prêmios do Grammy e arrecadou U$160 milhões para a causa humanitária.

Uma forte inspiração que a fez chamar quatro amigos para escrever e gravar “Salve a Chapada Diamantina”. Nevolandia conta que a primeira parte da letra foi escrita em apenas 20 minutos. Com essa parte em mãos e uma ideia de beat, ela foi convocando, um a um, os parceiros do Coletivo Roda, Kaila Barreto, Morris, John Belik e Milena Brandão, que abraçaram a ideia e fizeram suas contribuições na letra, na gravação e no videoclipe que acompanhou o lançamento da música nesse sábado, 10.

O Coletivo Roda surgiu no campus Seabra da Universidade do Estado da Bahia (Uneb) e já tem um álbum intitulado “A Corrida do Ouro”, que também versa sobre a Chapada, mais especificamente sobre o processo histórico da mineração do diamante. O álbum, com oito faixas, está disponível no canal do Youtube do grupo.

Há quem diga que a Chapada revive a era do garimpo, com problemas socioambientais similares, no entanto, altamente potencializados pelo poder destrutivo das grandes empresas. Novamente tudo acontece sob o argumento do desenvolvimento econômico, em parte, mas nesta nova versão, sobretudo sob a justificativa da transição energética. No entanto, o discurso “verde” aplicado à argumentação em defesa desses grandes empreendimentos, se contradiz ao ignorar, na ação, o impacto ambiental e os direitos das comunidades envolvidas.

Nada mais interessante, que o coletivo que musicalizou a era do garimpo, trazer à tona agora a causa urgente da preservação da Chapada e suas comunidades contra o avanço desenfreado da exploração na região.

Confira o videoclipe de “Salve a Chapada Diamantina”:

Ananda Azevedo | Foto: Arte de capa da música/Divulgação

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